Por Mauro Mueller / Quantum Dox
Dalton Trevisan nos deixou neste início de semana, entre segunda e terça-feira. O maior contista brasileiro, foi um grande exemplo de cidadão fora da Matrix e eu vou explicar:
Dalton trabalhava na fábrica de vidros da família, até se formar em direito e trabalhar como pessoa “comum” durante sete anos exercendo a advocacia. Começou a publicar seus primeiros contos numa revista chamada Joaquim, que ele organizava. Estamos falando de meados da década de 1940. Porém, a Matrix ainda estava roubando as atenções do contista e até aqui, nenhuma grande novidade.
Mas, no fim da década de 1960, ele tomara uma decisão controversa: parou de atender a imprensa para dar entrevistas. O enigma começa a aparecer no texto de um de seus livros, com a expressão: “o silêncio do vampiro” (no livro O Vampiro de Curitiba – 1965).
Uma característica marcante do escritor desde os inícios dos anos 70, Dalton começou a se tornar avesso a entrevistas, presenças, badalação, entregas de premiação, isto sem ao menos permitir que lhe fotografassem. Ele fugia literalmente dos holofotes da fama, que só aumentava. A Matrix não o alcançava. Dalton começou a viver em seu “universo paralelo”.
Para que você tenha uma ideia, seus livros foram premiados com as maiores honrarias da literatura, como o Prêmio Jabuti, o maior prêmio do gênero no Brasil, que rendia ao premiado um valor em dinheiro, caso estivesse na cerimônia de entrega. Quem não gostaria de ser fotografado e receber os louros da fama e um alto valor em dinheiro pela sua obra? Dalton não aparecia, exemplo mais forte de “homem fora da Matrix”, quando o mais natural seria estar em uma noite de gala, recebendo bajulações, troféu, fazer um discurso, colocar uma grana na conta bancária e aparecer nas principais mídias, dar entrevistas e ficar famoso? Bem, ficar famoso sim, ele conseguiu, pois não era nada habitual um escritor viver escondido numa residência da Ubaldino do Amaral e sequer atender a vendedores e pedintes, quanto mais para repórteres, fãs e curiosos. Há quem diga que este modo de agir era parte do seu plano de fama.
Este era Dalton Trevisan, avesso e controverso, uma personagem que ele construiu com suas obras. Seis livros publicados no exterior, mais de cinquenta lançados no Brasil, oito antologias, um filme para o cinema, além de peças de teatro. Aliás, ele marcava presença nos ensaios das peças, mas os atores contam que ninguém o via assistindo a preparação, não o viam entrar nem sair do local, mas exigia que nenhuma palavra de seus textos sofresse alterações e elogiava o diretor, quando tudo saía a contento.
Foi agraciado com nove premiações importantes, como o Jabuti, APCA, Prêmio Machado de Assis e Prêmio Camões.
E ainda sobre a aversão em falar em público e as badalações, eu mesmo tenho uma experiência: por ser um fã declarado do Dalton, fui desafiado por alunos de uma faculdade a tentar uma conversa com Dalton, num sábado pela manhã. Câmera escondida, microfone dentro da roupa e comecei a bater em frente ao portão de sua casa (uma bela construção antiga, na Rua Ubaldino do Amaral).
Depois de mais de uma hora em frente e recebendo o alerta de alguns motoristas que passavam, tentando fazer com que eu desistisse, falando alto: “Duvido Dalton te atender”... e, de repente, a janela em frente à casa, daquelas janelas que davam para a calçada, se abriu. Era Dalton Trevisan.
Um misto de nervosismo, ansiedade e felicidade me tomaram. Claro que eu sonhava com um milagre, daqueles em que Dalton percebia que eu não era repórter e me convidasse para entrar e tomar um café. Seria a realização de um sonho. Sonho que não se realizou. Eu apresentava um programa diário na TV aberta, então depois imaginei que ele me reconhecera e já tinha tudo planejado: “Vou me livrar deste cara da televisão, que não pretende ir embora tão cedo”.
Ele apareceu, muito sorridente e simpático, me deu a mão, me cumprimentou e me deixou levemente à vontade. Eu aproveitei a chance da possível atenção e levei comigo meus contos, para entregar a ele e foi isto que fiz no primeiro instante. Falei a ele que eu também compunha contos, que ele era uma das minhas influências literárias e ele ficou ouvindo. Completei: “Eu gostaria de entregar a você, com a pretensão de sua leitura e quem sabe, a realização do sonho da sua aprovação”. Deixei anotado meu número de contato. Não, nunca recebi sua ligação.
Passei às mãos dele, que recebeu e já estava fechando a janela, se despedindo, com uma habilidade de me mandar embora sem antipatia, sem falar e com um sorriso iluminado, quando eu gaguejei uma pergunta. Ele voltou a abrir aquela janela, se afastou por um instante, voltou com um de seus livros e disse: “as respostas estão todas aqui”. Esta sua atenção a mim dispensada durou exatos um minuto e onze segundos. Sei disto, por conta da gravação que os alunos da faculdade faziam.
Confesso que depois que ele fechou aquela janela, pensei: e se eu estivesse ali, sem filmar? E se eu não fizesse pergunta nenhuma e apenas entregasse os meus contos? Será que eu ganharia um novo amigo? E se eu pedisse para que ele fizesse a leitura de um dos textos e pedisse a sua avaliação?
Enfim, um misto de felicidade por receber aquele minuto de atenção, entusiasmo em poder apertar a sua mão, privilégio em ter sido um dos poucos, mas um pouco decepcionado por imaginar o que poderia ter acontecido, se eu estivesse lá sem os alunos, gravando tudo. Mas, eles não tem culpa, só estavam fazendo um trabalho de faculdade. Então, eu cheguei em casa, abri uma garrafa de vinho e escrevi aproximadamente oito contos inspirados neste encontro.
Naquela mesma tarde, li todo o livro que ganhei das mãos de Dalton: “Até Você, Capitu”, da coleção L&M Pocket – 2013. Na contra-capa está escrito: “Nada a dizer fora dos livros. Só a obra impressa, o autor não vale o personagem. O conto é sempre melhor que o contista”. Eu não queria suas respostas, mas me perdi, confuso em perguntas. Me conformei com aquela manhã, me inspirei a escrever um livro inteiro de contos, o que fiz em menos de 72 horas e queria publicar no ano do aniversário de Dalton, o que farei, mas agora, sem a presença corpórea do mestre, que escapou da Matrix de vez.
[Dalton Trevisan, morreu aos 99 anos, no dia 9 de dezembro de 2024].
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